Coisas que me dão na telha, de vez em quando, e que quero deixar registradas, nem que seja num blog.







sábado, 23 de outubro de 2010

O caso da “bolinha de papel”



      Quarta-feira, dia 20, noticiou-se que o candidato José Serra havia sido atingido numa confusão entre militantes petistas e tucanos, durante caminhada em Campo Grande, no Rio de Janeiro. A notícia dizia que Serra fora atingido por um objeto que, segundo o Jornal Nacional, seria uma bobina de fita adesiva. O candidato teria ficado estonteado e, por isso, procurado um hospital onde passou por um exame de tomografia cerebral.
     Com certeza, a maioria dos telespectadores, inclusive os que não gostam do Serra, ficaram revoltados com a confusão beligerante e com a agressão ao candidato tucano.
     Na quinta-feira, no seu telejornal matinal, no entanto, o SBT exibiu a sequência dos fatos e mostrou que Serra fora atingido por uma bolinha de papel na parte posterior da cabeça, e não por algo que o levasse a ficar estonteado e a fazer uma tomografia. A reportagem foi para a internet e a comoção daqueles telespectadores da noite anterior mudou de lado.
     Nessa mesma manhã, em Rio Grande, o presidente Lula, que não consegue ficar quieto, abriu a bocarra pra condenar a atitude do candidato, classificando-o, inclusive, como mentiroso.
     À noite, contudo, a coisa mudou de novo. O Jornal Nacional exibiu imagens — de péssima qualidade — obtidas pelo celular de um repórter do “imparcial” e “isento” jornal Folha de São Paulo, que mostram Serra sendo atingido por um objeto circular e transparente.
     A casa caiu! Perdeu! Perdeu!
     Serra, que era vítima, passou a ser mentiroso e voltou a ser vítima. Lula, que se sentira enganado, passou a ser caluniador.
     É claro que o assunto não iria parar aí. A Globo contratou os serviços do perito Ricardo Molina, da Unicamp, para analisar os vídeos. Em entrevista, disse que o objeto — que parecia ser um rolo de fita adesiva — bateu na região superior da cabeça, frontal superior. Ocorre que o médico Jacob Kligerman — ex-secretário de Saúde da administração Cesar Maia (DEM) e nomeado por Serra a cargo de confiança quando foi ministro da Saúde —, que atendeu o paciente, disse que o objeto que teria estonteado o candidato teria lhe atingido na parte posterior da cabeça.
     A casa caiu de novo! Perdeu! Perdeu!
     Os dois, perito e médico, divergem quanto ao local onde a bolinha de papel e o outro objeto teriam atingido a cabeça de Serra. Resumindo: conforme as imagens, a bolinha de papel atinge Serra por trás; o tal rolo, no alto da cabeça (tanto que é ali que ele passa mão logo em seguida); o perito garante que o que causou o ferimento superficial atingiu a região superior da cabeça, frontal superior; o médico, por sua vez, diz que o objeto que causou o ferimento atingiu a região occipito-parietal (isso fica atrás...).
     Mas o tro-lo-ló ainda não terminou! Novos fatos surgiram. O vídeo feito com o celular do repórter Ítalo Nogueira, da Folha de São Paulo, foi impiedosamente manipulado e editado pela Globo. Não sou eu que estou dizendo. Isto está documentado num vídeo postado no Youtube, ao qual o leitor eleitor deve assistir, clicando aqui, para tirar suas conclusões..
     E então, a casa caiu de vez?
     E agora, José (Serra)? Onde dói? No coco ou no occipito-parietal? Como fica o câmbio flutuante no teu programa de governo? Afinal, o que pode mais: o Brasil, uma bolinha de papel, uma bobina de fita adesiva ou a Rede Globo?
     Como é que o famigerado perito Ricardo Molina não viu que o vídeo da Globo fora manipulado? Será que é porque foi contratado pela empresa para “peritar” as imagens?
     Como é que fica a cabeça do eleitor de acordo com o desenrolar dos fatos ou das “montagens”, sendo ele serrista ou não? Serra foi vítima de militantes petistas? Serra é um farsante mentiroso e Lula um caluniador? A Globo é uma farsante mentirosa, Serra concorda com isso e Lula não é caluniador?
     Você decide.

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     Vamos, entretanto, dar uma pausa e relaxar um pouco.
     A todas essas, a criatividade, a oportunidade e a agilidade dos caras que fazem animações e joguinhos pra computador andam a mil por hora, mais rápido do que o avanço tecnológico de hoje em dia. Diria até que, se derem mole, a gurizada é mais ágil do que a divulgação dos fatos na internet.
     Mal se começou a comentar nas esquinas, nos bares, bolichos e baladas, nas paradas de ônibus, nas filas do SUS e do INSS, nas igrejas fundamentalistas e nas progressistas, nos consultórios médicos, nas camas das alcovas e nos sofás das salas de estar sobre o episódio da bolinha de papel, ou melhor, do rolo de fita adesiva, já apareceu um joguinho em que jogador tem que acertar bolinhas de papel na cabeça do Serra. Seja você ou não um daqueles indignados com o que aconteceu ao candidato, que depois se indignou com o que teria feito o candidato, que voltou a se indignar com o que aconteceu ao candidato, e que tornou a se indignar com o que fez a Globo, atire umas bolinhas virtuais de papel na cabeça dele clicando aqui.

segunda-feira, 18 de outubro de 2010

Uns e outros


     Todos concordam que a campanha eleitoral deste ano está uma baixaria. Ao mesmo tempo em que “um” denuncia que a “outra” é a favor da descriminalização do aborto, aparece uma voz na multidão dizendo que a mulher do “um” praticou aborto; enquanto “um” fala das supostas trampolinagens do filho de Erenice, amiga e substituta da “outra”, esta fala da suposta sacanagem de Paulo Preto, correligionário e amigo do “um”, que desviou uma grana preta do partido. E por aí afora. “Uma” defendendo-se do que insinua o “outro” e vice-versa.
     Até a CNBB envolveu-se na baixaria. Uma tal de Comissão em Defesa da Vida distribuiu, ainda antes do primeiro turno, um “Apelo a todos os brasileiros e brasileiras”, assinado por alguns bispos da Regional Sul 1 da CNBB (São Paulo). O texto relaciona o PT e a presidenciável Dilma Rousseff à defesa da legalização do aborto e recomenda “encarecidamente a todos os cidadãos brasileiros e brasileiras” que, “nas próximas eleições, deem seu voto somente a candidatos ou candidatas e partidos contrários à descriminalização do aborto”. Agora, dois meses depois, o presidente dessa mesma Regional da CNBB condenou a nota. Segundo o texto, o grupo “desaprova a instrumentalização de suas declarações e notas e enfatiza que não patrocina a impressão e a difusão de folhetos a favor ou contra candidatos”. Não é o que pensa, entretanto, o vice-presidente da entidade, que diz que a nota (e o manifesto pensamento nela contido) é legítima.
     Em todas essas, por ordem do Tribunal Superior Eleitoral, a Polícia Federal apreendeu um milhão de panfletos com o conteúdo produzido pela Comissão em Defesa da Vida, em uma gráfica no bairro Cambuci, em São Paulo.
     Vejam até que ponto a igreja está envolvida: terminou em tumulto uma missa na tarde de sábado, dia 16, na Basílica de São Francisco das Chagas, em Canindé, no Ceará, em que estava presente o candidato José Serra. No final de celebração, o padre condenou a distribuição dos panfletos sobre o aborto. Afirmou que as mensagens estavam sendo atribuídas a igreja, mas que ela não havia autorizava este tipo de publicação em seu nome. O senador Tasso Jereissati, que acompanhou a missa ao lado de José Serra, se exaltou e afirmou que era um “padre petista” como aquele que estava “causando problemas à igreja”. Outros partidários do tucano também se exaltaram. O padre saiu escoltado por seguranças.
     Na saída houve um princípio de tumulto entre militantes do PT e do PSDB.
     Do que menos se ouve falar, porém, são de propostas, a não ser nos debates, em dois ou três minutos de resposta e mais um de tréplica, entremeado por uma réplica, entre uma acusação e outra, de parte a parte. E tudo muito bem alimentado pela imprensa.
     Baixaria em campanha eleitoral, contudo, não é novidade. Pra citar uma da era atual: no último debate da primeira eleição livre pós-ditadura, Collor “denunciou” que Lula tinha uma filha fora do casamento e um aparelho 3 em 1. O eleitor, ingênuo, deu crédito a Collor, provocando, no mínimo, 12 anos de atraso político, econômico e social ao Brasil e aos brasileiros. Atraso esse que se reflete na atual eleição.
     Desta vez, quem acabou sendo a estrela do primeiro turno foi a terceira colocada, Marina Silva, que se manteve alheia a ataques denuncistas. No segundo turno, uns e outros passaram a disputar os votos dados a Marina no primeiro. Mas ela ficou em cima do muro, alegando que a posição do PV não é de “neutralidade, mas de independência”. Para Marina, os dois candidatos deveriam privilegiar a discussão sobre propostas.


     De qualquer maneira, esse excesso de acusações e denúncias e a excessiva ausência de propostas pouco mudaram o quadro eleitoral. Agora que a disputa está entre dois, a última pesquisa divulgada (Datafolha, 15/10) dá conta de que, computados apenas os votos válidos, Dilma teria 54% dos votos e Serra, 46%. No primeiro turno, quando nove candidatos disputavam, Dilma obteve 46,91% dos votos válidos, Serra, 32,61%, Marina, 19,33% e os demais candidatos, 1,15%. Tomando-se por base os números da pesquisa, concluo, então, que cerca de 7% dos votos de Marina foram pra Dilma, enquanto 13% deles foram pro Serra. A diferença entre Dilma e Serra, que foi de 14,3% no primeiro turno, estaria, hoje, ainda segundo a pesquisa, em 8%.
     Tenho a impressão de que, tanto pra um como pra outro (ou tanto pra uma como pra outro) correr atrás dos votos da Marina é perda de tempo.

domingo, 10 de outubro de 2010

Liberdade de expressão



     Hoje é um dia especial, faz um ano que comecei este blog. Como diz no cabeçalho, escrevo aqui “coisas que me dão na telha, de vez em quando, e que tenho vontade de deixar registradas, nem que seja num blog”. Sempre me deu “coisas na telha”, mas apenas as comentava com alguém próximo ou, no máximo, mandava uma que outra para alguma seção “cartas do leitor”. Na maioria das vezes, contudo, não eram publicadas. Quando eram, o editor da seção “moderava” o texto. Resolvi, então, fazer o blog.
     Nunca tive — e ainda não tenho — grandes pretensões com ele. Não o assumi como uma profissão de “blogueiro profissional”. Repito: coisas que me dão na telha, “de vez em quando”... Já me cobraram mais assiduidade, mas não estou muito ligado. Mesmo assim, além do Brasil, já tive acessos de internautas de Estados Unidos, Portugal, Rússia, Argentina, Canadá, França, Alemanha, Ucrânia e Japão. Viva o Google!
     A coisa que me deu na telha pela primeira vez neste blog foi escrever sobre o casamento do meu filho (Um dia especial). Em duas postagens seguidas falei no evento: a primeiro, no dia do casamento; a segundo, um dia depois. A partir daí, de vez em quando, posto alguma coisa que me incomoda ou que me entusiasma.
     Atualmente, o que me incomoda é a campanha anti Dilma que corre solta desde os grandes veículos de comunicação até os mais desconhecidos blogs, passando pelas nossas caixas de entrada, diariamente. Alguém até se deu o trabalho de compilar todas as falsidades que rolam pelos emails e desmenti-las, desmascarando seus criadores. Procure a Central de Boatos e confira você mesmo.
     Isso me fez pensar na liberdade de expressão. As pessoas que criam esses emails — não sei a troco de quê — alegam que estão usando sua liberdade de expressão. Ledo engano. O que fazem não é o uso da liberdade de expressão. Assim o seria se dissessem que não votariam em A ou B porque não concordam com suas atitudes, ou seus programas de governo, etc. Ou o contrário disso, sempre respeitando o que outros pensem a respeito. Agora, inventar histórias com o intuito de prejudicar um ou outro costuma-se chamar de mentira, de mau caratismo!
     Enfim, liberdade de expressão é um tema que, pela complexidade, não se esgota apenas numa postagem. Vou contar uma história do porquê me desiludi com o hipócrita jornalismo tradicional.

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Liberdade de expressão

     Em 1984, durante uma grande greve dos funcionários públicos federais, especialmente das universidades — entre os quais me incluo até hoje —, resolvi fazer valer explicitamente meu diploma de jornalista. Só tinha precisado dele para entrar no serviço público federal, em cargo e função exercida por jornalistas, e para dar aulas de radiojornalismo numa outra universidade, só que privada.
     Falei em fazer valer explicitamente meu diploma porque fui convidado para trabalhar na emissora de rádio de uma das duas maiores empresas de comunicação do Estado. Imagino que não tenha sido minha competência o principal motivo do convite. A empresa — então com 89 anos — passava por uma séria dificuldade financeira, muitos funcionários abandonavam o barco, os salários estavam atrasados, fornecedores ficavam na mão e corriam dezenas de ações contra ela nas diversas instâncias judiciais.
     Como estava em greve, e as aulas que ministrava na universidade privada não me consumiam muito tempo, resolvi aceitar o desafio. Comecei como redator de notícias num horário em que ninguém queria trabalhar: das 18 às 23 horas. Havia a promessa de que logo poderia trabalhar num horário melhor.
     Não demorou muito estava redigindo notícias para os radiojornais vespertinos e, especialmente, para as edições das 18h50 e 20h30 do então importante e famoso Correspondente Renner. O leitor mais “experiente” já deve saber de que empresa estou falando. Para os mais novos eu digo: a empresa era a Caldas Júnior; a rádio, a Guaíba.
     Também não levou muito tempo para que — desta vez por terem sido reconhecidas minha competência (e minha modéstia) — eu fosse alçado ao cargo de editor. Os salários estavam em dia, o quadro de funcionários se estabilizara, o serviço fluía normalmente e a liberdade de expressão não era muito controlada. A imprensa, em geral, recém havia saído de um longo período de censura imposto pelos sucessivos governos militares. Falava-se muita coisa, mas bem menos do que hoje. O presidente era o Sarney, em quem nenhum de nós, eleitores comuns, tínhamos votado e que assumira devido à morte de Tancredo Neves, em quem também não tínhamos votado. Pelo menos ambos eram civis.
     Eis que a empresa foi vendida pelos antigos proprietários e comprada por um economista e empresário de soja. Gente que tinha dinheiro, mas nada a ver com jornalismo. Seus parentes todos ganharam cargos nos veículos do grupo. Conta uma lenda que a mulher do novo patrão, indicada ao cargo de diretora da TV, queria acarpetar o piso dos estúdios, porque achava muito feio aquele cimento por onde rodam suavemente os tripés das câmeras. Não sei até que ponto é verdade.
     A direção da rádio ficou com o irmão do empresário, um arquiteto por formação. Numa bela tarde, ao chegar para trabalhar, fui chamado à sala do arquiteto, digo, do diretor. Em lá chegando, do alto de seus cerca de 1,55m, o arquiteto, digo, o diretor, sem nem me convidar a sentar, jogou na minha frente, sobre sua mesa, uma das notícias que haviam sido veiculadas na última edição do Correspondente Renner do dia anterior. Era uma notícia daquelas pra completar os 10 minutos do radiojornal, que eu mesmo havia redigido, e que cujo fato até já tinha sido noticiado na Veja. Ela falava de um então ministro da Justiça que voltava ao Sul todos os fins de semana em jatos da FAB.
     Nem preciso dizer que, a partir desse dia daquele abril, deixei de fazer parte dos quadros de funcionários da Rádio Guaíba, sob a alegação de que o ministro pedira a cabeça do responsável (no caso, a minha).
     Indignado (mas não inconformado), no dia seguinte, falei com um conhecido, assessor direto do ministro em questão. Ele disse que o ministro não sabia nem da notícia, quanto mais que teria pedido a demissão.
     Acreditei. Esse seria mais um caso daqueles em que o súdito é mais realista do que o rei.
     Era 1988, ano de eleição para prefeitos e vereadores. A outra grande empresa de comunicação do Estado deslocava muitos de seus jornalistas para uma central de eleições. Precisava, então, de gente que segurasse o piano do cotidiano. Fui chamado para ser um desses carregadores, das seis da manhã até uma da tarde, temporariamente, até as eleições.
     Nessa empresa, na qual também assumia como editor, já foram me avisando: só se fala em greve quando ela realmente começar; procura-se não falar no PT, a não ser que seja fato muito relevante, etc. Acontece que um dos candidatos à prefeitura era Olívio Dutra, do PT; Acontece, também, que, naquela época, diariamente servidores públicos, petroleiros metalúrgicos e trabalhadores de outros setores viviam ameaçando entrar em greve. Impossível viver-se sem falar no PT e em greves, naquela ebulição toda.
     Várias vezes fui chamado à sala de uma das tantas pequenas autoridades daquela empresa pra ser repreendido por ter violado as regras e, consequentemente, a liberdade de expressão do senso comum, casualmente contrária à liberdade de expressão do grupo.
     Finalmente, numa misteriosa virada das pesquisas, Olívio Dutra foi eleito prefeito. Acabou-se meu período de jornalista temporário. Passados alguns dias, recebo o telefonema de uma daquelas pequenas autoridades me convidando para trabalhar permanentemente na função que exerci temporariamente. Agradeci a lembrança e recusei amavelmente. Não disse a ele, mas esse tipo de jornalismo não me seduzia.
     Muito se tem falado na tal liberdade de expressão. Grandes veículos e importantes (se é que dá pra se classificar assim) jornalistas têm gritado aos quatro cantos que o presidente Lula quer acabar com a liberdade de expressão no Brasil. Comparam-no com Hugo Chavez, que costuma fechar emissoras que não têm o mesmo pensamento dele. Então eu pergunto: como é que fica a liberdade de “expressão” do presidente Lula? Essas empresas e esses jornalistas se julgam representantes da opinião pública, que dá ao presidente Lula 80% de popularidade. A quem representam, então, esses veículos e seus servis jornalistas? Por óbvio, a si mesmos.
     Na semana que passou, aconteceu um fato interessante. O assunto não é novo, foi reproduzido e repercutido em vários blogues e sites de notícias, mas remete ao título desta minha crônica.
     O jornal “O Estado de São Paulo” declarou apoio a José Serra desde o primeiro turno.Tudo bem. Eles têm essa liberdade de se expressar. A campanha de Serra diz que Dilma e o PT são contra a liberdade de expressão e que querem controlar a imprensa. A psicanalista Maria Rita Kehl, colunista do Estadão, publicou, no dia anterior ao primeiro turno, um artigo chamado “Dois pesos...” sobre a desqualificação do voto popular. No texto, a colunista considerou digna a atitude do jornal de declarar explicitamente seu apoio a um dos candidatos. De resto, implicitamente, Maria Rita aplaude a popularidade de Lula, os programas sociais do governo e critica aqueles que menosprezam o voto dos pobres.
     A coluna finaliza assim:


Agora que os mais pobres conseguiram levantar a cabeça acima da linha da mendicância e da dependência das relações de favor que sempre caracterizaram as políticas locais pelo interior do País, dizem que votar em causa própria não vale. Quando, pela primeira vez, os sem-cidadania conquistaram direitos mínimos que desejam preservar pela via democrática, parte dos cidadãos que se consideram classe A vem a público desqualificar a seriedade de seus votos.

     A colunista Maria Rita Kehl foi hipocritamente demitida do Estadão. Que bom pra ela não mais fazer parte daquele grupo que pretende ser da camarilha de Serra.
     Assim são muitas das empresas de comunicação no Brasil: faça o que eu digo mas não faça o que eu faço. Noutras palavras: use a liberdade de expressão mas critique os que a usam.

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     Leia a coluna “Dois pesos...”, de Maria Rita Kehl, no Estado de São Paulo
http://www.estadao.com.br/estadaodehoje/20101002/not_imp618576,0.php
     Leia a entrevista da colunista após sua demissão
http://terramagazine.terra.com.br/interna/0,,OI4722228-EI6578,00-Maria+Rita+Kehl+Fui+demitida+por+um+delito+de+opiniao.html

segunda-feira, 4 de outubro de 2010

Carpe diem!


         Vive-se numa época em que não se precisa mais de dinheiro (em papel moeda) e cheques. Os cartões de débito e de crédito os substituíram com vantagem para usuários e instituições. Eu, por exemplo, sempre tive problemas no preenchimento de cheques: ou errava o valor por extenso ou a data ou, até, a assinatura. Um saco!
     Fazia muito tempo que eu não preenchia um cheque. Hoje, precisei. Com todo cuidado, não errei valor nem data nem assinatura. Uma coisa, no entanto, me chamou a atenção: ao escrever a data me dei conta de que já é outubro. Daqui a três meses estaremos em 2011. Putz!
     Perceba, então, que este texto nada tem a ver com dinheiro, cartões ou cheques, mas sim com o tempo, a quem chamam de implacável ou inexorável, aquele que não perdoa.

     Os dicionários têm muitas acepções para o verbete “tempo”. O Houaiss, por exemplo, define-o de 17 formas diferentes, em diversas rubricas. O Aurélio, por sua vez, tem 15 definições diferentes e mais 66 expressões em que se usa a palavra tempo (por exemplo: tempo compartilhado, a um só tempo, de tempo em tempo, nesse meio tempo, fechar o tempo, etc.). Em cada um desses dicionários, a primeira acepção é aquela que nos assusta. O Houaiss diz que o substantivo masculino tempo é “duração relativa das coisas que cria no ser humano a ideia de presente, passado e futuro; período contínuo e indefinido no qual os eventos se sucedem”. O Aurélio diz a mesma coisa: “tempo é a sucessão dos anos, dos dias, das horas, etc., que envolve, para o homem, a noção de presente, passado e futuro”. E explica: “o tempo é um meio contínuo e indefinido no qual os acontecimentos parecem suceder-se em momentos irreversíveis”.
     Desde a antiguidade, os filósofos perdem muito tempo pensando e falando no tempo. Se colocarmos no Google as palavras-chave “o tempo filosofia”, surgirão cerca de 7.130.000 de resultados em 0,23 segundos! Se o Google perdesse um segundo, acharia 31 milhões de resultados. Mas ele – e quem dele faz uso – quer tudo pra já. Ninguém quer perder tempo.
     Horácio, um dos maiores poetas da Roma antiga lançou esta sentença: “carpe diem, quam minimum credula postero” (aproveita o dia presente e não queiras confiar no de amanhã). Ele achava muito importante aproveitar o presente sem demonstrar muita preocupação com o futuro, idéia que se assemelhava muito com a do filósofo grego Epicuro, que viveu dois séculos antes de Horácio.
     Poetas e compositores modernos também esbaldam-se com o tempo. Afinal, eles só fazem isso porque têm tempo de sobra. Nosso poeta Mário Quintana, além de várias frases sobre o tempo, deixou-nos uma poesia com esse nome, que transcrevo aqui.

O tempo

A vida é o dever que nós trouxemos para fazer em casa.
Quando se vê, já são seis horas!
Quando se vê, já é sexta-feira!
Quando se vê, já é Natal...
Quando se vê, já terminou o ano...
Quando se vê perdemos o amor da nossa vida.
Quando se vê passaram 50 anos!
Agora é tarde demais para ser reprovado...
Se me fosse dado um dia, outra oportunidade, eu nem olhava o relógio.
Seguiria sempre em frente e iria jogando pelo caminho a casca dourada e inútil das horas...
Seguraria o amor que está a minha frente e diria que eu o amo...
E tem mais: não deixe de fazer algo de que gosta devido à falta de tempo.
Não deixe de ter pessoas ao seu lado por puro medo de ser feliz.
A única falta que terá será a desse tempo que, infelizmente, nunca mais voltará.

     Simples e fantástico, sem muita filosofia.
     Cazuza também nos deixou uma música maravilhosa falando do tempo: O tempo não para. Dela destaco a estrofe,

Eu vejo o futuro repetir o passado,
Eu vejo um museu de grandes novidades.
O tempo não pára, Não pára, não, não pára.

     Sérgio Britto compôs e os Titãs gravaram “Epitáfio”, que é um texto que o sujeito gostaria de deixar escrito no seu túmulo. Começa assim:

Devia ter amado mais
Ter chorado mais
Ter visto o sol nascer
Devia ter arriscado mais
E até errado mais
Ter feito o que eu queria fazer...

     Essas belas formas poéticas de ver o tempo me fazem pensar que de nada adiantou Einstein ter revolucionado o pensamento vigente com sua teoria da relatividade. Pra mim, perdeu tempo. Mas isso relativo. O tempo é relativo. Numa partida de futebol, para o time que está perdendo, parece que o tempo passa rápido; para o que está ganhando, parece que demora; para os dois, contudo, passa de segundo em segundo ao mesmo tempo.
     Einstein preocupou-se muito com o tempo e, além da teoria da relatividade, numa de suas tantas frases diz: “Nunca penso no futuro, ele chega rápido demais”.
     Muitos deixaram para a posteridade frases sobre o tempo. Marquês de Maricá, por exemplo, disse que “desperdiçamos o tempo queixando-nos sempre de que a vida é breve”. É do grande George Bernard Shaw a seguinte: “temos tempo bastante para pensar no futuro quando já não temos futuro em que pensar”. Uma das mais filosóficas veio de Antoine de Saint-Exupéry: “foi o tempo que perdeste com tua rosa que fez tua rosa tão importante”. Tem algumas engraçadas, como uma de Marcel Achard, um ator e comediógrafo francês nascido em 1899: “se uma mulher se vestisse só para um homem, com certeza não demoraria tanto tempo”.
     Eu nunca digo minha idade quando me perguntam quantos anos tenho, mas sim que espero ainda ter muitos.
     Veja só: enquanto pensava no tempo, não agi, e o tempo passou... Parafraseando outra de Mário Quintana, poderia dizer que o tempo é coisa que acaba de deixar o leitor um pouco mais velho ao chegar ao fim desta linha.
     Portanto, caro leitor e cara leitora: carpe diem!