Coisas que me dão na telha, de vez em quando, e que quero deixar registradas, nem que seja num blog.







segunda-feira, 24 de janeiro de 2011

A geometria da vida


     O que é a vida de um indivíduo senão um segmento de reta na reta da existência humana?
     O “pai da geometria”, Euclides de Alexandria, deixou escrito em sua obra Os elementos que “um segmento de reta é o conjunto dos pontos da reta que ficam entre dois outros pontos”. Ora, se a reta é um objeto geométrico infinito a uma dimensão, pode ser comparada à existência humana. A vida de um indivíduo, portanto, é o segmento determinado por dois pontos demarcados entre outros dois pontos infinitos.
     Um dos preceitos de Euclides, no entanto, o preocupava: um segmento de reta pode ser prolongado indefinidamente para construir uma reta. No caso dele — e de qualquer indivíduo — isso não seria possível. O segmento vida tem um ponto de início e um de fim; estes sempre estarão entre outros dois pontos, sem começo nem fim, indefinidos.
     Esse era o pensamento do professor Geraldo naquele momento, na sacada de seu apartamento, enquanto esperava esquentar a água para o chimarrão. O sol recém surgido de trás do morro feria-lhe os olhos recém saídos do sono, pois eram recém seis e meia da manhã de uma quinta-feira de verão.
     De retas, segmentos e pontos seu pensamento voltou-se para o tempo: a sucessão dos anos, dos dias, das horas, etc., que envolve, para o homem, a noção de presente, passado e futuro; período contínuo no qual os eventos se sucedem.
     Naquele exato momento, pensava que tudo que é recém é um momento presente, foi futuro e será passado. E que assim ocorre com todos os momentos que se sucedem na vida. Professor de matemática recém aposentado, enxergava os momentos como pontos. Se o ponto é uma configuração geométrica sem dimensão, que se caracteriza por sua posição, assim o são, também, os momentos.
     Ouviu o barulho da chaleira chiando, espreguiçou-se e foi até a cozinha. Derramou a água aquecida na garrafa térmica, pegou a cuia que havia deixado sobre o balcão com a erva inchando e delicadamente serviu-se o primeiro mate matutino. Sorveu os primeiros goles, ainda mornos, olhando para o nada.
     Voltou à sacada. Ajeitou a cadeira de praia de lado para a rua, sentou-se e serviu-se do segundo mate. Agora estava no ponto. Ponto? Apesar de ser outro tipo de ponto, determinante de uma circunstância, uma situação, um estado, a palavra o fez pensar de novo na geometria, no ponto, retas, segmentos de reta, semirretas; e no tempo...
     Como segmento de reta que era, Geraldo teve seu ponto A definido no momento de seu nascimento. Desde lá, vários momentos — ou seja, um conjunto dos pontos — haviam passado: a infância, a adolescência, a maioridade e, agora, a terceira idade. Como um turbilhão, vários momentos vieram-lhe ao pensamento, do passado até o presente momento, que foi futuro e será passado.
     Lembrou-se da reação dos alunos quando lhes tentava ensinar, por exemplo, o Teorema de Pitágoras. Em qualquer triângulo retângulo, o quadrado do comprimento da hipotenusa é igual à soma dos quadrados dos comprimentos dos catetos. — Putz! O que eles vão fazer com isso? Mas têm que aprender! Tá no currículo... — acrescentava conformado.
     É. Além do ponto, retas, segmentos de reta e semirretas, em seus momentos também houve planos, como o triângulo do tal teorema. Por falar nisso, tinha também o Teorema de Tales, afirmando que se A, B e C são pontos em uma circunferência cuja reta AC é o diâmetro, então os pontos ABC formam um triângulo retângulo. E o Teorema de Laplace, então (que não é geometria mas é chato pra caramba): o determinante de uma matriz quadrada de ordem n é dado pela soma dos produtos dos elementos de uma fila qualquer, linha ou coluna, pelos seus respectivos co-fatores. — Meu Deus! O que eu fui fazer? — pensava.
     Enquanto a garrafa térmica se esvaziava, o movimento na rua aumentava. O sol já havia saído da altura dos olhos do professor. Cada recém daqueles — do sol surgido de trás do morro, dos olhos saídos do sono, das seis e meia da manhã — era passado, foi presente e foi futuro. A única coisa que ainda continuava presente era a quinta-feira de verão.
     Geraldo já começava a se entristecer, a pensar no futuro incerto, no ponto B que fecharia o segmento de reta que era, quando ouviu aquela suave voz rouca produzida por pregas vocais que recém faziam seus primeiros movimentos do dia:
 
     — Bom dia, meu amorzinho!
 
     Era sua nova mulher. Uma mulata sensual que conhecera meses antes, num cruzeiro marítimo que fez quando saiu sua aposentadoria. Apaixonou-se perdidamente. Não era uma reta ou um segmento de reta, mas um conjunto de várias curvas, arcos, círculos, circunferências, elipses, esferas, cones e cilindros.
     Geraldo deixou seus maus pensamentos na sacada, levantou-se, abraçou a mulher e beijou-a demorada e libidinosamente. Excitado, levou-a de volta para a cama para demonstrar a ela com quantos catetos se faz uma hipotenusa. Agora só queria saber do ponto G.

mulata

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