Coisas que me dão na telha, de vez em quando, e que quero deixar registradas, nem que seja num blog.







sábado, 31 de dezembro de 2011

O dia que não precisava existir

     O relógio do computador marcava pouco mais de 10 e meia quando comecei a escrever este texto. Chovia muito na manhã deste 31 de dezembro, o dia que, por mim, não precisava existir. Eu ia começar a falar sobre amargura quando, pela terceira vez neste mês, faltou energia (não estou falando da minha, mas da elétrica).

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     Cinco horas se passaram, a energia (a elétrica, não a minha) voltou e posso, finalmente continuar.
     Eu dizia que, por mim, este 31 de dezembro não precisava existir. Como não posso evitar, e é um dia importante para outras pessoas, pensei em voltar pra cama (isso naquela hora que faltou energia), dormir e só acordar quando fosse o primeiro dia útil do ano que vem. Nem me importaria de não apreciar os fogos, ouvir os foguetes que fazem todos os cachorros do mundo latir desesperadamente e assistir ao show brega da Globo. Se não fosse dormir pra acordar na segunda-feira, outra opção seria ver a meia noite passar como motorista de ônibus, recepcionista de motel, repórter, médico, enfermeiro, faroleiro ou qualquer profissional plantonista, pra passar alheio.
     Desde ontem estou amargurado. Não sei por quê. Talvez porque tenha olhado fotos de réveillons passados, das décadas de 80 e 90. Nelas revi meus filhos crescendo ano após ano naquelas festas de família numerosa, cheia de tios, primos, cunhados e cunhadas, concunhados e concunhadas. São vários álbuns de fotos de um tempo que — é óbvio — nunca mais vai voltar. Nenhum tempo volta, mas, quando se fala assim, fala-se de uma circunstância. E essa circunstância — eu com filhos pequenos, depois adolescentes, em festas de fim de ano cheia de parentes, roupas novas, espumantes, salgadinhos, picanhas, costelas, vazios e cervejas, sorrisos, abraços, poses e flashes — não vai mais acontecer. Os filhos das fotos já são gente grande. Hoje, por exemplo, uma está no Rio; o outro, nem tenho ideia, pois não atende ao telefone, não me liga e nem responde o torpedo de Feliz 2012 que mandei de manhã; eu e a mãe desses filhos havíamos nos separado há alguns anos e, neste ano, ela nos deixou; os parentes numerosos eram família dela, não mais faço parte dela...
reveillon      Enfim, hoje, sem uma grande família, ninguém me convida pra essas festas de ano novo. Depois que inventaram as máquinas fotográficas digitais, qualquer um, ou melhor, procurando ser politicamente correto, todos são capazes de tirar fotos. Minha velha Pentax não é mais necessária.
     31 de dezembro de 2011 e ficarei restrito a minha mulher e ao filho dela. O réveillon vai ser entre cinco: nós três mais a cachorrinha Lila e a gata Wanda. Sim, vamos comer lentilha e porco, tomar espumante e cerveja e nos abraçarmos à meia noite. Não vou tirar, no entanto, muitas fotos para a posteridade. Vou armar o tripé da câmera na sacada da frente e tentar fotografar os fogos de artifício. Mas até eles têm sido mixurucas nos últimos anos.
     Não sou disso, mas aqui vai um plano pra 2012: será o último fim de um ano e começo de outro que passo em casa. A partir do próximo, se ninguém me convidar pra algo melhor, adeus, tia Chica, pego a Clarinha e nos vamos mundo afora. Dias como hoje não vão mais existir.

domingo, 18 de dezembro de 2011

Nem tanto ao mar, nem tanto à terra

     Algo sobre o recente caso da enfermeira que maltratou um Yorkshire.
     Todos devem ter visto na internet o vídeo da mulher — uma enfermeira — maltratando um indefeso cãozinho da raça Yorkshire, jogando-o no chão e dando-lhe chutes. E, ainda por cima, na frente de uma criança. O revoltante caso virou o principal assunto no Facebook, motivando tanto irascíveis protestos como piadas de gosto duvidoso. Cheguei a ler postagens que poderiam ser classificadas como incitação à violência, instigação ao crime.
     A expressão do título — nem tanto ao mar, nem tanto à terra — significa “nem uma coisa nem outra; sem exageros; com equilíbrio”. E é assim que eu procuro manter minhas relações com animais: sem exageros. De jeito nenhum concordo com maus tratos, mas também não admito que eles sejam tratados como filhos ou qualquer membro da família. Abominável o que a enfermeira fez com o Yorkshire; inaceitável, porém, fazer dela a única bandida do mundo, esquecendo-se que há crimes muito piores sendo cometidos sem que alguém se digne, por exemplo, a “fazer ou assinar uma petição” para que o óbvio aconteça.
     Não consigo entender como alguns têm tanta comiseração com animais, mas não são capazes de se compadecerem com a miséria humana: desde a infância abandonada até a velhice desamparada.
     Eu tenho dois animais de estimação: uma cadela Poodle — a Lila — e uma gata Himalaia — a Wanda. Também convivo, ocasionalmente, com o Chico, um Yorkshire do meu filho. Pego-os no colo, dou carinho, alimento-os, trato-os quando doentes, mas não os beijo...
 

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     Recolhi na internet algumas opiniões de especialistas sobre o que considero exagero na relação de humanos com animais. Pra isso, pratiquei saudáveis CtrlCs de alguns sites e apliquei CrtrlVs neste texto. Tudo o que está abaixo saiu da cabeça de outros e, pelo que entendi, assim como maus tratos, apego demais também é problema psicológico.

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     Ter um animal de estimação em casa pode realmente ser uma ótima ideia. Eles trazem alegria para o lar, são ótimas companhias e, além de tudo, as crianças aprendem com eles a responsabilidade de cuidar de alguém e o valor da amizade. Mas, e quando o amor destinado a esses animais passa dos limites? De acordo com especialistas, é muito comum que as pessoas depositem uma quantidade enorme de amor nos bichos de estimação, e em casos mais extremos, vivam exclusivamente para cuidar destes animais. “Pessoas que apresentam um grau de depressão ou de carência muito elevado estão mais suscetíveis ao apego em excesso pelos seus bichos”, diz o psicólogo Paulo Tessarioli. “Muitas vezes, essas pessoas vivem em função do seu animalzinho, esquecendo-se, muitas vezes, de sua vida social, por exemplo”, diz.

     Para o psicólogo Hélio Guilhardi, mestre em psicologia experimental pela Universidade de São Paulo, “a convivência prioritária com o animal produz pessoas alienadas do mundo que as cerca”. Ele reconhece que ter um animal é saudável, mas diz que o bicho não deve ser fonte única de carinho. “Relações com animais podem envolver afetos genuínos, mas isso não basta. O afeto entre humanos tem uma riqueza superior e não pode ser dispensado. Excessos afetivos com animais não indicam sensibilidade privilegiada. Pessoas autoritárias, egoístas e metódicas tendem a ter mais facilidade em dirigir seu tônus afetivo para bichos. Conviver com animais torna a vida mais fácil, embora mais fácil não signifique melhor”.

     De acordo com Paulo Tessarioli, a primeira atitude é se convencer de que o exagero pode ser prejudicial. “Analisar sua postura com seu animal de estimação é o primeiro passo. Se o problema for com outra pessoa, vale tentar conversar, mas sem forçar a barra”. A ideia é mostrar que existem outras coisas na vida além daquele bicho. Mas, alguns casos pedem ajuda profissional. “Quando a pessoa não consegue se desligar do animal, seja por qualquer motivo, o melhor a fazer é procurar um especialista, já que problemas como depressão, desapego à realidade e solidão podem estar envolvidos”.

     Os especialistas explicam que quando as pessoas tratam os animais como se fossem filhos ou quando o elo se torna muito forte entre eles deve-se tomar certos cuidados. “É preciso fazer a distinção entre as espécies, para que possam aprender a cuidar da forma correta. Senão pode até adoecer um animal, por querer que ele seja uma espécie que não é”, ressalta a psicóloga Madalena Cabral Rehder.

     Além disso, ela explica que o apego excessivo ao animal pode trazer problemas como qualquer outro na vida da pessoa. “Ciúmes, agressão, exagero no cuidado, estresse pelos cuidados excessivos. Se a pessoa age assim, o animal não busca pelas ações livremente e acaba por não desenvolver os hábitos próprios.”

     O veterinário Milton Kolber complementa que as consequências desse apego vão além. “É aquela frase que diz que tudo que é demais não serve. Isto se aplica também ao animal, porque carinho excessivo resulta em mimo e desobediência”.

     Para César Ades, psicólogo especialista em comportamento animal e professor da USP, não há nada de errado em ter todo esse apego aos animais, desde que eles sejam tratados como tal e não como crianças ou gente.

     Segundo a psicóloga Regina Reis Joana Ribeiro, do ponto de vista clínico, o bicho de estimação é saudável até certo ponto. Quando este ponto é ultrapassado, há uma “humanização” do cachorro. Em contra-partida, justifica que “a partir do momento que um animal selvagem por natureza passa por um processo de urbanização para viver dentro de um domicílio, já estamos humanizando-o”.

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     Agora sou eu de novo. Os textos acima se referem às relações de humanos com seus próprios animais de estimação. Há, ainda, aquelas pessoas que se envolvem demasiadamente com quaisquer animais, exagerando na comiseração, esquecendo-se de que podem haver outras causas envolvendo a raça humana que mereçam mais atenção.
    Com esse caso da enfermeira que maltratou o cãozinho, o Facebook tornou-se o muro das lamentações dos hiper defensores dos animais, tanto dos abandonados como dos maltratados. Eu não gosto da palavra que vou usar, porque seu emprego é pejorativo, resultante de antiga tradição antissemita de origem européia, mas tem muita judiação não vista e não atacada pelos mesmos usuários do Facebook ou de outra rede social qualquer.

Enquanto isso...

     Acredita-se que atualmente chegue perto de oito milhões o quantitativo de crianças abandonadas no Brasil. Destas, cerca de dois milhões vivem permanentemente nas ruas, envolvidos com prostituição, drogas e pequenos furtos. Um número expressivo, demonstrando que não foram aplicadas políticas eficazes para a redução da triste realidade apresentada já em 1994, quando existiam sete milhões, segundo levantamento da Organização Mundial de Saúde (OMS).