Coisas que me dão na telha, de vez em quando, e que quero deixar registradas, nem que seja num blog.







sexta-feira, 2 de novembro de 2012

Os índios, os brancos, um furacão e uma rede de TV

GuaraniKaiowa      Deixa ver se entendi: Guarani-Kaiowá é uma tribo de 170 índios do Mato Grosso do Sul que mandaram uma carta ao Conselho Indigenista Missionário (CIMI) prometendo promover um suicídio coletivo se forem obrigados pela Rede Globo a sair da terra em que vivem. É isso? Pelo menos foi o que pude depreender ao ler algumas postagens no Facebook.
     Peraí! Tem um cara aqui dizendo que não é a Rede Globo que quer expulsar os índios, mas sim a Justiça Federal, a pedido de fazendeiros que se dizem os verdadeiros donos das terras...
     Agora complicou! Vários conhecidos acusaram a Globo por não divulgar notícias sobre o assunto etc. Fui ao Google pra tentar saber do que realmente se tratava.
     Quanto aos indígenas, no Wikipedia descobri que “Caiouás (Kaiowá) é a exodenominação de um dos povos guaranis contemporâneos que se auto-reconhece como Paí-Tavyterã. A despeito de sua autodenominação são conhecidos também como Caaguás do norte, Kaynguás, Terenobés,Teyís, Kaa'wás, Païs, Paï-cayuäs, Painguás ou Pan no Paraguai, ou ainda como Cainguás, Kaiwás, Caiwás, Cainwás, Caiuásou Caiouás no Brasil e na Argentina”.
     Pô! Então os caras são conhecidos por um nome que lhes foi imposto? Seria isso?
     Parece, também, que os problemas deles com os brancos começaram pra valer no início do século XX, com a chegada das frentes de colonização euro-descendentes aos seus territórios. Os caiouás foram, então, expulsos por latifundiários e empresas mineradoras, sem qualquer reação significativa por parte do Serviço de Proteção ao Índio (SPI), que, supostamente, deveria prezar pelo bem estar dos povos indígenas no Brasil (infelizmente, o Facebook só foi lançado em fevereiro de 2004, com pelo menos um século de atraso. Caso contrário, a vida de centenas de caiouás, tanto adultos quanto crianças, seriam poupadas em lutas na defesa de suas terras).
     Enquanto isso, um século depois, não parava de chover indignação no Facebook em relação à “novidade”, que seria, no caso, o tal suicídio coletivo dos 170 integrantes da tribo. Eis que acabei descobrindo o inteiro teor da carta que os índios mandaram ao Conselho Indigenista Missionário (CIMI). No penúltimo parágrafo dela dizem: (...) “Decretem a nossa morte coletiva Guarani e Kaiowá de Pyelito Kue/Mbarakay e enterrem-nos aqui. Visto que decidimos integralmente a não sairmos daqui com vida e nem mortos” (...). Um pouco acima, escreveram assim: (...) “queremos ser mortos e enterrados junto aos nossos antepassados aqui mesmo onde estamos hoje, por isso, pedimos ao Governo e Justiça Federal para não decretar a ordem de despejo/expulsão, mas solicitamos para decretar a nossa morte coletiva e para enterrar nós todos aqui” (...).
     Na nota em que explica que “morte coletiva” não é o mesmo que “suicídio coletivo”, o CIMI diz que de 2000 a 2011 os índios cometeram 555 suicídios. Já o comentarista político Bob Fernandes (Terra Magazine), num vídeo divulgado por vários indignados das redes sociais, diz que há 43 mil índios sobreviventes das etnias Guarani-Kaiowá. Com base nos números do CIMI e do Bob, o blogue “Coleguinhas” — em matéria assinada por apenas Ivson — calcula que houve 46 suicídios por ano, resultando, então, em 0, 11 suicídio por grupo de 100 mil indígenas por ano. O cara faz a seguinte pergunta: qual a taxa de suicídios no Brasil por 100 mil pessoas/ano entre os não-índios? De acordo com a Wikipedia “estimativas indicam que em 2010 em torno de 24 pessoas cometeram suicídio por dia no Brasil, principalmente em regiões mais desenvolvidas economicamente. Os maiores índices são do Rio Grande do Sul (11 para cada 100 mil), sendo Porto Alegre a capital com maior taxa de suicídios (11,9 para cada 100 mil). A cidade brasileira com o maior índice é o Município de Venâncio Aires, com mais de 40 casos a cada 100 mil habitantes. Esses números enquadram Venâncio Aires como uma das cidades com maior índice de suicídio do mundo”.
     Muito bem. Pois o mesmo CIMI aponta no Relatório de Violência Contra os Povos Indígenas no Brasil, lançado em junho passado, que mais de 62 mil indígenas foram mortos, em 2011. O número, segundo o Conselho, aumentou em 20 mil em relação ao ano anterior. O Relatório de 2010 já trazia um triste dado envolvendo as crianças indígenas: o número de mortalidade infantil cresceu 513% se comparado a 2009, quando 15 casos foram registrados. A cada ano o Relatório fica mais deprimente...
     Visto está, pois, que o problema não é de agora, nem localizado. De agora, só a indignação nas redes sociais, que até já está deixando de ser.
     Mas e a Globo? O que tem a ver com tudo isso? Algumas postagens reclamavam que a emissora não noticiava o acontecimento com os índios. Será que essas pessoas estavam à frente da TV, sintonizada na Globo, nos horários dos telejornais? Duvido. Então como afirmam tão categoricamente que nada era dito sobre os Guarani-Kaiowás? A propósito: seria só a Globo a não noticiar sobre o que estavam chamando de suicídio coletivo dos índios, mas que na verdade nem de suicídio falaram? E a Record? E a Band? E o SBT? E a RedeTV? Me parece que o “silêncio absoluto” — como classificou Bob Fernandes — foi total na chamada grande mídia. E por quê? Levando em consideração os escalafobéticos discursos que geralmente postam os indignados das redes sociais, só posso deduzir que a Globo e os outros veículos da “grande mídia” têm interesse nas terras indígenas.
     E as emissoras estatais? Falaram alguma coisa?

     Mudando de tribo: essa coisa de malhar a Globo já tá pra lá de chata. Fiquei até com vergonha de ler postagens de colegas meus de profissão reclamando no FB que a Globo só estava dando importância aos estragos provocados pelo furacão Sandy em Nova Iorque, em detrimento do que os ventos fizeram em Cuba. Em nenhum momento essas pessoas pensaram em comparar Nova Iorque com Cuba e a importância de suas relações com o resto do mundo; não se deram conta de que a emissora tem equipe e aparato nos USA e, especialmente, em NYC, mas não os têm em Havana, e que as notícias e imagens que vêm da ilha de Castro são adquiridas de agências de notícias. Será que não ouviram falar em “proeminência” na faculdade de jornalismo? Com certeza acreditam que se a Bolsa de Valores de Cuba parar de funcionar fará um estrago monumental na economia do mundo...

   Afff! Que fique claro que não sou contra índios, nem a favor de fazendeiros, da Justiça Federal e de qualquer rede de TV. Apenas estou cansando de algumas desinformações, especialmente de quem deveria ser sensato.

Um comentário:

vidacuriosa disse...

Concordo com tudo que escreveste. Aliás, sobre a Globo, quando ousei contrariar alguém em relação a isso, foi tachado de ser o único jornalista que saiu da RBS que defende a Globo. Rearfirmo que não defendo ninguém, mas também não aceito essas bobagens preconcebidas que muitos colegas meus repetem. Quando eu disse que dá Ibope criticar a Globo, quando, em muitas oportunidades, o mesmo fato acontece com outras emissoras, muitos se ofenderam.