Coisas que me dão na telha, de vez em quando, e que quero deixar registradas, nem que seja num blog.







sábado, 26 de abril de 2014

A caravana passa e os cães ladram

     Existe um velho ditado alertando para o fato de que “quem fala o que quer, ouve o que não quer”. Com ele em mente, procuro não aceitar o que considero desaforo e respondo na hora. Estou falando de postagens de amigos e conhecidos no Facebook (doravante chamado de FB).
     Estou estarrecido com a quantidade de inverdades publicadas e compartilhadas no FB em forma de cartazinhos, por pessoas das mais variadas condições sociais e intelectuais, algumas que eu até achava inteligentes. Diariamente me deparo com mentirinhas políticas, criadas por algum inimigo oculto, cujo objetivo é minar a consciência de incautos despolitizados (que assim não se consideram). Esses últimos compartilham sem dó nem piedade aquilo que cai nas suas timelines, sem ao menos pesquisar a veracidade do comentário. Há também postagens inofensivas cujo objetivo é prestar “(des)informação”, tipo: bicarbonato e sódio cura câncer; água oxigenada branqueia os dentes; não aceite ligações de 06565xxx, porque esse número clona seu celular; a cada curtida na foto da criança doente o FB vai doar x centavos; ladrões estão jogando bolinhas de veneno nos quintais para matar cães e invadir a casa mais facilmente; Suzane Rischthofen, presa por matar os pais, teria virado pastora evangélica... E assim por diante. Uma infinidade de bobagens que, não bastando acreditar, algumas pessoas compartilham sem pesquisar.
     Às vezes, dependendo de quem publicou e do conteúdo, informo a pessoa sobre a inverossimilhança do que está compartilhando; noutras, procuro desancar com argumentos, mesmo arriscando perder a amizade do incauto. Eu já agia assim antes do FB — e até antes do velho Orkut —, quando essas coisas eram encaminhadas apenas por email.
     Uma das mentiras que ainda insistem em aparecer— apesar de ter sido desmentida milhares de vezes, por todos os meios — é sobre um benefício da previdência social chamado auxílio-reclusão. Aqueles que são contra o governo (doravante chamados de coxinhas) — acreditando que o benefício é coisa do governo atual (PT) — apelidaram o auxílio-reclusão de “bolsa-bandido”. Dizem que o valor atual do benefício (R$ 1.025,81) é pago a cada um dos dependentes do preso e deixam subentendido que todos os apenados têm direito a isso. Além disso, comparam esse valor com o valor do salário mínimo, coisas que não tem nada a ver uma com a outra. Pois bem, já cansei de explicar que o valor do auxílio é “dividido” entre os dependentes do apenado; que para ter direito ao auxílio, o apenado devia ser “contribuinte” da previdência por ocasião da detenção; o benefício só vale para apenados de baixa renda (que contribuam, no máximo, sobre o valor que é pago a seus dependentes); clique aqui se quiser maiores informações. A propósito: o auxílio não é coisa do PT, pois foi instituído há 50 anos, pelo extinto Instituto de Aposentadoria e Pensões dos Marítimos (IAPM) e posteriormente pelo também extinto Instituto de Aposentadoria e Pensões dos Bancários (IAPB), e depois incluído na Lei Orgânica da Previdência Social – LOPS (Lei nº 3.807, de 26 de agosto de 1960). Esse benefício para dependentes de presos de baixa renda foi mantido na Constituição Federal de 1988. Ah! Ele também existe em países ditos “civilizados”, de “primeiro mundo”. Para se ter uma ideia, a Previdência Social pagou, em fevereiro de 2014, 4.034.044 benefícios, num total de R$ 3.356.180.475,00 (média de R$ 831,96 por benefício); desses, apenas 1.609 eram auxílio-reclusão, num total de R$ 1.110.186,00 (média de R$ 689,99 por benefício).
     Você, que critica o benefício, não está livre de cometer um ilícito e ir preso. Se você contribuir para a previdência sobre um rendimento de até R$ 1.025,81, seus dependentes terão direito a receber o rateio desse valor. Outra coisa: você já viu algum traficante, um homicida ou um assaltante na fila do banco, com o carnê do INSS na mão, para pagar sua contribuição à previdência?

auxilioreclusão 02 auxilio reclusão 01 Exemplos da cartazinhos mentirosos sobre o auxílio-reclusão, publicados no FB


     Outra grande falcatrua que andou circulando até poucos dias diz respeito ao Marco Civil da Internet. Surgiram “especialistas” de todos os cantos condenando o agora aprovado conjunto de leis que definiram direitos e deveres de usuários e empresas que usam a rede ou oferecem infraestrutura para que ela funcione. Veja alguns exemplos.
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    Se você não sabe exatamente o que é Marco Civil da Internet, procure informar-se, não vá atrás daquilo que vê publicado. Não seja manipulado. Leia aqui.
    Um dos cartazinhos mais cretinos dos últimos tempos apareceu nesta semana e foi imediatamente desmentido na página do FB da presidenta Dilma.

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    Outro truque dos mais usados pelos anônimos covardes é exibir a foto de alguma celebridade como se ela tivesse dito um texto que aparece ao lado. Na verdade, o que se lê foi escrito é o que pensa o autor da mentira (normalmente um reacionário raivoso). Eis um exemplo recente:

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     Ao ver isso publicado imediatamente fui atrás para ver do que se tratava. E, como imaginei, não era nada disso. O tal programa era de maio de 2013 e a única coisa de parecida com o que Fafá disse, e que está no texto do cartazinho, foi a frase “O Brasil está às avessas” (na verdade ela disse “É o país às avessas”). O contexto, no entanto era totalmente diverso do apresentado. Ela estava falando sobre a erotização e sexualização da juventude nos dias atuais. Clique aqui e veja o vídeo.
     Não quero me estender muito, pois corro o risco de perder leitores. Não posso, no entanto, deixar de falar disso que me apareceu nessa semana.

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     Tudo indica que o tal Projeto de Lei Complementar teria sido inventado pelo atual governo e que é coisa da esquerda. Se o incauto coxinha compartilhar sem pesquisar — sim, porque ele acredita em tudo que esteja a favor de sua ideologia tacanha —, não vai ficar sabendo que esse PLC é de 2002 (basta ver o nº dele 276/“02”), foi inventando no governo FHC e teve aprovado o substitutivo de um ex-deputado do PFL (o partido até já mudou de nome e o cara saiu do parlamento em 2007). Garanto que quem compartilha isso nem sabe como era essa questão do trânsito de tropas estrangeiras no Brasil antes da aprovação desse PLC e como ficou agora. Você sabe, caro leitor? Acha isso importante?
     Isso tudo sem falar na fazenda do filho do Lula; no jatinho do filho do Lula; na Friboi ser do filho do Lula; de o Lula ter saído na capa da Forbes, etc. Já se sabe até quem inventou esses boatos e um dos acusados é gerente financeiro do Instituto Fernando Henrique Cardoso (iFHC). Precisa dizer mais alguma coisa?

     O que me conforta, contudo, é que a caravana passa e os cães ladram.

     Este sábio ditado árabe “diz que não importa o latido dos cães, não importa o barulho que façam, a caravana segue o seu caminho, apesar deles… existe uma estrela a ser seguida, um pensamento a ser preservado, e nada vai impedir que a caravana siga o seu rumo… mesmo que pare por alguns momentos, mesmo que alguns cães se julguem alimentados pegando os restos que caíram durante a passagem, a caravana segue o seu rumo, mais fortalecida, mais coesa, deixando cada vez mais longe o barulho dos cães esfomeados. Uma caravana é feita de gestos, de sonhos, de atitudes, de longas vivências, de cumplicidades, de sentimentos fortes, de amizade, de amor e de desejos. Ela segue o seu caminho, totalmente indiferente ao ganido de cães enlouquecidos, atrás de alguma cadela no cio…” (Sandra Nasrallah, em O Recanto das Letras, 2008).

quarta-feira, 26 de fevereiro de 2014

Um dia isso tem que ter fim

       Em fevereiro de 1969, no auge do verão porto-alegrense, eu era apenas um rapaz latino-americano, que amava os Rolling Stones mais do que os Beatles e que há três anos tocava bateria numa banda chamada The Old Stones (leia aqui e aqui). Eu fingia que estudava e meu pai fingia que acreditava. Ele sabia, no entanto, que eu passava as tardes quentes na piscina do clube, as mornas vagabundeando na Rua da Praia e, as noites, em alguma esquina do bairro, quando não estava ensaiando. Por vergonha, não lhe pedia dinheiro, até porque dava pra viver bem com o que ganhava tocando nos fins de semana (quando pagavam...).
       Naquela época, eu gostava de desenhar, o que um dia chegou a ser motivo de bronca do meu pai, por ter achado na minha gaveta uns esboços de mulheres nuas que eu tinha feito. Também ganhava uns trocados pintando posters e camisetas com a foto famosa do Che Guevara. Vai daí que, por causa desse talento, meu irmão — acredito que conluiado com meu pai, ou vice-versa — me “arrumou” um estágio na agência de propaganda em que trabalhava. Eu passava os dias numa sala com dois ou três desenhistas, aprendendo a fazer “pastape” (é assim que se pronuncia, mas não lembro como se escreve em inglês), enfim, aprendendo o ofício de montador de peças publicitárias (não vou entrar em detalhes, mas informo que era tudo na marra, não existia computador, o CorelDraw, o Ilustrator e o Photoshpop não eram nem imaginados).
       Muito mais do que aprender o ofício, porém, comecei a aprender a conviver — no sentido de habituar-me a condições extrínsecas (físicas, culturais etc.) —, comecei a conhecer o outro lado da vida: o de ter responsabilidades. Aprendia a ficar adulto. E de graça!
       Exatamente um ano depois desse começo, o diretor da agência entrou na sala em que nos confinavam, muito simpático cumprimentou a todos, disse alguma coisa e, por fim, perguntou genericamente se “esse rapaz” — que era eu — tinha aprendido alguma coisa. A resposta foi modesta, mas unânime: sim! Então me mandou passar no departamento de pessoal. Foi assim que carimbaram e assinaram pela primeira vez minha recém tirada Carteira Profissional, do então Ministério do Trabalho e Previdência, a famosa Carteira de Trabalho.

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Até hoje, 44 anos depois, ainda está lá na página 11:
Natureza do cargo: ARTE-FINALISTA
Data de admissão: 15 de FEVEREIRO de 1970
Remuneração: NCr$ 250,00 (duzentos e cincoenta cruzeiros novos)

      Dois anos e meio depois, surgiu outra oportunidade de emprego, que iria me render um salário melhor, em um dinheiro com nome diferente e outro valor. Fui trabalhar como desenhista no Jornal da Semana, do Grupo Editorial Sinos, recebendo mensalmente Cr$ 1.200,00 (Hum mil e duzentos cruzeiros). Para se ter uma ideia, era tanto dinheiro que acabei me casando...
      Fiquei ali pouco menos de um ano. Em junho de 73, por 100 pilas a mais, me transferi para a Rádio e Televisão Gaúcha S/A, contratado como desenhista ilustrador, no setor de divulgação, mas que era uma “house-agency”.
      Estimulado por trabalhar numa empresa jornalística, perto de redações de jornal e rádio, resolvi fazer vestibular pra jornalismo, e passei na FAMECOS/PUC. Comecei a viver um pequeno dilema, mais de frescura do que de praticidade: trabalhava em publicidade, mas estudava jornalismo.
      Em julho de 1976 fui trabalhar na Marca Propaganda, ganhando Cr$ 4.000,00 (quatro mil cruzeiros) mensais, na função — de acordo com o contrato na Carteira Profissional — de arte-finalista, mas, na verdade, eu passava a limpo os “roughs” (um leiaute grosseiro) dos diretores de arte. Acho que devido aos colegas de Faculdade e à direção que o curso me levava, acabei me envolvendo com a área audiovisual. Por isso, mudei de função na agência, deixando de ser desenhista e tornando-me produtor eletrônico.
      Era, entretanto, uma época difícil no mercado publicitário. Várias agências quebravam. Para fugir da bancarrota e continuarem ativas, muitas delas demitiam funcionários. Não escapei disso.
      Mas não chegou a ser problema. Antes disso, em 1978, havia completado o curso (Leia aqui sobre isso). Depois de formado, um colega de aula, com quem eu dividia trabalhos em grupo, me convidou para prestar serviços remunerados para um projeto do MEC, em convênio com a UFRGS, onde ele era funcionário. Era março de 1979. Enquanto prestava serviços, meu colega mexia os pauzinhos para que eu fosse contratado emergencialmente, recurso que existia no serviço público naquele tempo. Quando estava tudo acertado e eu iria pedir demissão da agência para trabalhar na UFRGS, aconteceu o inverso: fui demitido por motivo de contenção de despesas. Não poderia ter dado mais certo. Era 1º de junho de 1979. Só não comecei a bater ponto na UFRGS nesse dia porque nasceu minha primeira filha.

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A primeira Carteira de Trabalho ficou pequena pra tantas anotações

      Meu contrato no cargo de “Técnico em Comunicação Social”, no entanto, foi retroativo ao dia 1º de março daquele ano. Isso quer dizer que no próximo sábado, dia 1º de março de 2014, daqui a dois dias, estarei completando 34 anos de trabalho só na UFRGS. Contando com o tempo de trabalho anterior, em 1º de fevereiro completei 45 anos de trabalho ininterruptos, em alguns deles acumulando empregos. No meio disso tudo, na década de 80, paralelamente ainda fui sócio de uma produtora de audiovisuais, professor na UNISINOS e na UFRGS, redator e editor na Rádio Guaíba e editor na Rádio Gaúcha.
      Nesses últimos 45 anos de trabalho (um de estágio e 44 empregado) recém completados, casei três vezes, tive dois filhos, fiquei viúvo uma vez e, agora, tenho um neto; fui baterista, montador, arte-finalista, desenhista, produtor eletrônico, sócio de empresa, professor, redator, editor, voltei a ser baterista, webdesign, webmaster…

.:: o ::.

      Mas um dia isso tem que ter fim: apesar de já estar há alguns anos com abono permanência (situação de quem adquire o direito de se aposentar, mas continua trabalhando), ainda nessa semana, dei entrada com a papelada pra parar de trabalhar definitivamente. Prefiro ñão dizer “me aposentar”…


      Ah! Quando isso tiver fim, ou seja, assim que me alforriarem definitivamente, só vou continuar tocando bateria. Mas sem descontar INSS…